“Acredite em mim, felicidade verdadeira é algo sério. Você acredita que alguém pode, com a expressão encantadora, descaradamente desaprovar a morte com uma disposição fácil? Ou abrir a porta para a pobreza, manter os prazeres controlados ou meditar sobre a resistência ao sofrimento? Aquele que se sente confortável com esses pensamentos é realmente cheio de felicidade, mas dificilmente alegre. É exatamente esse tipo de felicidade que eu gostaria que você possuísse, porque ela nunca acabará uma vez que você reivindicar sua origem.”
— Sêneca
Eu já perdi as contas de qual dia da quarentena estamos e ela continua contando, parece paradoxal mas a única certeza que temos no momento é a incerteza de como o mundo será após o vírus covid-19. No meio do turbilhão de informações, panoramas, pronunciamentos, memes e névoa de insegurança que paira no ar, temos os profissionais e que, antes disso, são pessoas. Que agora enfrentam uma batalha ainda maior em um mercado que já era desafiador antes.
O desafio agora se estende ao todo que o ser humano representa: como manter a saúde mental, física e espiritual em um momento que minha liberdade está cerceada? O que me faz pensar em um artigo que li alguns umas semanas atrás no qual falava sobre o novo estágio de luto que David Kessler – especialista em luto, estabeleceu em seu novo livro. Ele discorre em como todas as mudanças repentinas colocaram as pessoas em um estado de luto antecipado e isso leva à ansiedade e outras doenças, tendo em conta que de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde) fatores emocionais estão entre os principais motivos de adoecimento no mundo. O que Kessler acrescenta no ciclo de vivência do luto (negação, raiva, barganha, tristeza e aceitação), é o significado. Como alguém que teve o contato mais profundo com o luto há uns dois anos, eu compartilho aqui partes do processo que identifico novamente em tempos de quarentena.
Acontece que a nossa percepção sobre o tempo se modifica ao vivenciar o sentimento de luto, a nossa mente e corpo querem parar e reviver a dor até o esgotamento enquanto o mundo lá fora continua funcionando normalmente e assimilação da nova realidade se torna mais dolorosa e resistente. O luto antecipado que estamos vivendo neste momento de quarentena, forçou a todos nós a experienciarmos um tempo assim diferente daquele cronológico e habitual do ritmo de trabalho que conhecemos. O tempo vai contra a nossa vontade. E até chegarmos no estágio da aceitação, vai doer e gerar a tão falada ansiedade nos dias de hoje. Se a normalidade que conhecemos, é relativa ao contexto histórico e cultural da sociedade atual, o sentimento de voltar ao que fomos é compreensível, porém, algo não mais realizável levando em conta todas as mudanças a que fomos submetidos. É como diz o historiador Leandro Karnal, precisamos começar a pavimentar nossos caminhos e escolhas para o novo normal.
Para esta pavimentação, gosto de relembrar o estoicismo quando diz que a felicidade é um estado de ser. A felicidade é alcançada através da ética sobre si, a lapidação do próprio Self – eu – ego, chame como preferir. Ela clama pela disciplina e auto conhecimento através da ética. Talvez por isso seja tão penoso o cenário em que uma sociedade contemporânea que vive de aparências, ter que se aventurar na busca e elaboração de um novo eu, uma nova perspectiva e melhor estruturada.
Falta de sorte, talvez? Bom, os gregos tinham a crença de que a deusa Fortuna era a responsável pela distribuição de sorte aos humanos, porém, ela estava vendada ao fazer essa distribuição. Ou seja, a inclinação para sorte ou azar era desigual. Sabiamente, a deusa também tinha a roda da fortuna, para balancear e evocar a ciclicidade que faz parte da nossa existência, cabia aos humanos estarem preparados para o momento de subida e descida da roda e aproveitar tanto as bênçãos, quanto aprender com os infortúnios. Assim, percebemos a necessidade de nos apoderarmos dos nossos destinos, seja ele bom ou ruim, e participarmos ativamente daquilo que queremos ser amanhã. Como diz Ailton Krenak, “o amanhã não está a venda”, é preciso ter a consciência e atenção que o fazemos no presente.
Enfim, com o estágio de significado ao luto que Kessler nos traz, encontra-se a chave para a transmutação daquilo que nos aflige. Que seja feito em um âmbito pessoal e estenda-se ao profissional. Para que assim, possamos viver um novo normal que tenha o significado de considerar que o profissional que vemos na empresa, tem a sua própria história e que as histórias vão emaranhar-se e levar-nos a outras camadas desta pessoa que trabalha conosco. Há anos ouvimos falar sobre a importância de se valorizar o capital humano da empresa, que saibamos atravessar esta crise e ressignificar a maneira que encaramos a vida. Ao se manifestar sobre a pandemia, o historiador israelense Yuval Harari disse que “o maior perigo não é o vírus em si. A humanidade tem todo o conhecimento e as ferramentas tecnológicas para vencê-lo. O problema realmente grande são nossos demônios interiores, nosso próprio ódio, ganância e ignorância.” Compreender, aceitar e acolher o nosso sofrimento com resignação, consequentemente fará com que possamos enxergar o outro com a empatia que falamos, porém, ainda não vivenciamos. É preciso coragem, e não aquela que nos faz sair com dentes à mostra e arma em punho, a coragem do latim CORATICUM, que se traduz como ação do coração.
Escrito por: Natália Balancin