Solo atravessado por músicas do David Bowie aproxima o público ao clássico de Dostoiévksi de forma descomplicada, acolhedora e bem humorada. A atriz mescla Crime e Castigo com a história de seus pais, fazendo um tipo de celebração da vida
Crédito da imagem: Thais Grechi
Crime e Castigo 11:45 surge do encontro da atriz Liliane Rovaris com o clássico absoluto do autor russo Fiódor Dostoiévksi (1821-1881). Apesar de já conhecer a obra, a atriz embarcou na releitura, durante o período de luto pela perda de seus pais, motivada intuitivamente por um sentimento de solidão e uma possibilidade de recomeço, ações que encontram eco na trajetória de Raskólnikov, o protagonista do romance.
Assim, tendo como princípio aproximar o livro do público de forma descomplicada, acolhedora e inclusive, bem humorada, à medida em que Liliane conta a história criada pelo genial autor russo, traça paralelos com histórias sobre seus pais, tornando a ideia do luto um tipo de celebração da vida.
A peça, que estreou em 2022 no Rio de Janeiro, tem sua temporada paulistana no programa Teatro Mínimo do Sesc Ipiranga, entre os dias 9 de junho e 9 de julho, com apresentações às quintas e sextas-feiras, às 21h30; aos sábados, às 19h30, e aos domingos, às 18h30.
Com uma equipe de criação e produção majoritariamente feminina, a montagem tem texto da própria Liliane Rovaris e direção de Camila Márdila, atriz premiada do filme Que horas ela volta e da série Bom Dia Verônica, que marca sua primeira direção no teatro. As duas já têm uma parceria de longa data, tendo dividido diversos outros trabalhos, incluindo a realização de espetáculos teatrais e oficinas para atores desde 2013.
Dostoiévski conduz seus personagens com um sentimento de compaixão, mostrando suas contradições sem jamais julgá-los ou encerrá-los em uma definição. ‘Em tempos de julgamentos imediatos, parar, observar, esperar o que vem a seguir, antes de decretar algo, foi um alento para mim. O livro foi me dando a calma e a possibilidade de enxergar aquele momento como algo em transição, em transformação’, analisa a atriz.
No decorrer da criação, em 2018, Liliane se deparou com a notícia de que Crime e Castigo é um dos livros mais lidos entre os presidiários no Brasil. Em troca de dois dias de liberdade eles apresentam um resumo do livro. E é uma dessas resenhas, publicada na matéria jornalística, que inspira o recorte dramatúrgico da peça:
Dostoiévski narra a história de Raskólnikov, um jovem estudante que comete um duplo assassinato e é perseguido por sua própria consciência até que conhece uma prostituta, Sônia, única pessoa para quem consegue contar sobre o crime cometido.
É essa trajetória que a artista narra e encena em paralelo com suas próprias memórias, incluindo uma experiência que envolve o ídolo da música, David Bowie, cujas músicas atravessam o solo.
O cenário remete ao quarto dos pais da atriz que, apostando na potência transformadora de se compartilhar uma história, se inspira em peças performáticas, como as de Lola Arias, artista argentina que tem como marca a sobreposição entre realidade e ficção, e como as do norte americano Spalding Gray (1941-2004), cuja presença vibrante parecia sempre celebrar o milagre de estar ali, no teatro, contando uma história.
Durante o processo, Liliane trabalhou o texto em uma oficina para jovens internos que cumprem medidas socioeducativas no Degase.
Através deste contato, a atriz pôde confirmar a importância e a capacidade de interação do livro com diferentes realidades, reforçando a escolha por um caminho direto e acolhedor na forma de contar essa história, fora do lugar erudito e inacessível por vezes atribuído à obra.
Revelar essa trajetória, que vai da extrema contração do ódio à redenção pela compaixão em tempos de muita intolerância, fez sentir ainda mais forte o desejo de levá-la para o teatro.
Sobre Liliane Rovaris
Atriz, mestra em Artes Cênicas (UNIRIO), formada pela CAL/RJ e pelo CPT/SP, ministrado por Antunes Filho. Integrante do AREAS Coletivo com quem realizou e atuou na peça “Plano sobre queda”, direção de Miwa Yanagizawa e com quem mantém a pesquisa “Estudo para o ator: a Escuta”. Em 2021 realizou o projeto “De um Dostoiévski a outro”, série de ações online em comemoração ao bicentenário do autor e em 2022 ministrou a oficina de teatro “Um mundo a sonhar” para jovens que cumprem medidas socioeducativas no DEGASE. Com direção de Adriano Guimarães do Coletivo Irmãos Guimarães atuou em “Sopro” de Samuel Beckett e em “NADA – uma peça para Manoel de Barros” (prêmio de melhor elenco do site Questão de Crítica). Também atuou, entre outros, em “A Ponte”, com direção de Adriano Guimarães, em “Naotemnemnome” com direção de Emanuel Aragão, em “Ponto de Fuga” de Rodrigo Nogueira, em “Trainspotting”, dir. de Luis Furlanetto e “Fragmentos Troianos” dir. de Antunes Filho. Foi colaboradora artística da Cia teatro autônomo com direção de Jefferson Miranda na “Série 21” (Espaço Sesc/RJ 2009). No audiovisual, atuou no longa “O Cerco”, de Gustavo Bragança, Aurélio Aragão e Rafael Spínola (mostra de Tiradentes 2021) e em ” Infinitas Terras” de Cauê Brandão.
Sobre Camila Márdila
Atriz e diretora teatral premiada no Festival de Sundance (EUA) e no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro por seu trabalho no filme Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert. Está no elenco de diversas séries como Justiça, Onde Nascem os Fortes, Trezes Dias Longe do Sol, Feras, Onde está meu coração – todas na Globoplay – além da novela Amor de Mãe, de Manuela Dias. No teatro trabalhou com os diretores Felipe Hirsch, em “A Tragédia e a Comédia Latino Americanas”, e Irmãos Guimarães (DF), com quem manteve o núcleo Resta Pouco a Dizer, dedicado a pesquisas em torno de Samuel Beckett. É integrante do AREAS Coletivo, ao lado de Miwa Yanagizawa, Maria Silvia e Liliane Rovaris, com quem mantém a pesquisa Estudo para o ator: a Escuta, desde 2013, em formato de oficinas, residências e orientações artísticas. É diretora da peça “Crime e Castigo 11:45”, um solo de Liliane Rovaris, que estreou em 2022 e realiza temporada no Sesc São Paulo em 2023. Seus trabalhos mais recentes como atriz foram a série “Bom Dia Verônica” (Netflix), os filmes “Carvão”, de Carolina Markowicz, “Meu Nome é Gal”, de Dandara Ferreira e Lô Politi (estreia prevista para 2023), e “Uma Boa Vilã”, de Teo Poppovic, também em finalização. No momento, está no elenco do novo filme de Walter Salles (Ainda Estou Aqui) e interpretará Viviane Senna em série sobre o piloto na Netflix
Ficha Técnica
Concepção e dramaturgia: Liliane Rovaris a partir da obra de Dostoiévski
Direção: Camila Márdila
Atuação: Liliane Rovaris
Tradução do romance: Paulo Bezerra
Direção de arte: Branca Bronstein e Patrícia Tinoco
Direção de movimento: Denise Stutz
Assistente de direção: Flow Kountouriotis
Figurinista: Gabriela Marra
Iluminação: Sarah Salgado
Operação de som: Flow Kountouriotis
Fotógrafo: Pedro Prado e Thais Grechi
Design gráfico: Ana Carneiro
Direção de produção: Aura Cunha | Elephante Produções
Assistente de Produção: Yumi Ogino e Vini Silveira
Colaboração artística: AREAS Coletivo, Adriano Guimarães, Claudia Elias, Emergências Coletivo, Leo Bianchi e Tatiana Devos.
Cursos
Auto-ficção e literatura: processo de criação de solos teatrais
Com Liliane Rovaris e Camila Márdila (AREAS Coletivo)
Um mundo a sonhar
Criação de histórias a partir da obra de Dostoiévski
Com Liliane Rovaris
Mais informações em sescsp.org.br/ipiranga
Serviço
Crime e Castigo 11:45, de Liliane Rovaris
Teatro Mínimo
Temporada: 9 de junho a 9 de julho, às quintas e sextas, às 21h30; aos sábados, às 19h30; e aos domingos e feriados, às 18h30
Sesc Ipiranga – Auditório – Rua Bom Pastor, 822, Ipiranga
Ingressos: disponíveis no portal, a partir 30/5, terça-feira, 12h, e presencialmente nas unidades do Sesc São Paulo, a partir de 31/5, quarta-feira, às 17h. Valores: R$30,00 (inteira), R$15,00 (estudante, servidor de escola pública, idosos, aposentados e pessoas com deficiência), R$10,00 (credencial plena).
Classificação: 14 anos
Duração: 70 minutos
Capacidade: 32 lugares
Acessibilidade: sala acessível a cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida