Em curta temporada, os trabalhos da dramaturgia brasileira abordam temas como a busca da própria voz, sonhos, libertação de relacionamentos abusivos, racismo, sexualidade, entre outros.
A Mostra Solos Sim. Sozinhos nunca!, leva ao Teatro de Arena Eugênio Kusnet, em São Paulo, a partir de julho, uma pequena temporada dos espetáculos A Monga e Eu, Madame e a Faca Cega, Yo Mujer Negra e Meu Sonho Era Escrever, Escrevi.
A mostra promove encontros gratuitos com leituras e debates sobre a criação de monólogos, quais são suas delícias e dificuldades e como, mesmo estando só em cena, o ator precisa tanto dos outros profissionais para compor a obra, enfatizando o quando o teatro é coletivo.
Verdadeira febre nos circos e parques de diversões em todo o território nacional nos anos 1960/70, e ainda presente em alguns recônditos do imenso Brasil, Monga, a mulher gorila, é o mote do espetáculo A Monga e Eu, de Marcello Barranco – também o protagonista – e Djalma Lima – que assina a direção, um mergulho no universo pessoal de um ator de meia idade que começa a peça admitindo que acordou para a vida e decidiu parar de fazer teatro depois de mais de 20 anos para se tornar massoterapeuta. “Só depois de me realizar trabalhando com massagens é que percebi como os dois lados da Monga me traduzem. Hoje sou mulher e gorila, criador e realizador, ator e massoterapeuta”, conta Marcello Barranco.
Tomado pelo vazio e as carcaças de seus desejos, e com o objetivo de reencontrar seu lugar no mundo, o personagem une depoimentos pessoais, música e poesia para trilhar um caminho de volta a um jovem e impertinente aspirante a ator que vibrava e brilhava nos seus vinte e poucos anos, mas que na maturidade abandonou a carreira e se encontrou na profissão de massoterapeuta. E o teatro? A necessidade de expressão, a vontade de pisar no palco não saem de cena e nessa retomada ele leva o universo da massagem ao palco, um reencontro das duas gerações do ator em um mergulho no universo do fazer teatral.
Com uma certa obsessão e pânico pela Monga, personagem mítica de sua infância, o protagonista traça paralelos, com a ajuda de sua terapeuta, entre essa estranha fascinação pela Monga e sua relação com o teatro como profissão e meio de vida. Esses questionamentos levam a inusitadas e divertidas conclusões, num texto autobiográfico, pontuado por poemas de sua juventude e citações de autores como Belchior, Caio Fernando Abreu, Jorge Mautner e José Régio, com apresentações entre 15 e 30 de julho, aos sábados e domingos, às 17h.
De 14 a 28 de julho, sempre às sextas-feiras, às 19h, a Mostra recebe Madame e a Faca Cega, do Núcleo Alvenaria, com texto e direção de Tati Bueno e Alexandra DaMatta no elenco, texto livremente inspirado em um trecho do livro Os Componentes da Banda, de Adélia Prado. Criado durante a pandemia, estreou originalmente no formato on-line. A cebola e sua falta de íntimo, narrada por Adélia, foi o ponto de partida para a peça. No texto, Anísia se torna Madame, representação de todas as “madames” que vivem essa realidade de Instagram, que só́ utilizam canudinhos reutilizáveis, com discursos feministas sempre na ponta da língua, e que ajudam a todas as outras mulheres entenderem que essa vida não é real, que não há vida perfeita.
A obra ainda aborda sutilmente os relacionamentos tóxicos e abusivos e mostra a libertação catártica de Vera quando ela identifica seu verdadeiro algoz. Apesar de falar sob a ótica de relacionamentos homossexuais, a questão do gênero não é levantada em momento algum, os relacionamentos abordados poderiam ser heteronormativos. A ideia não é fazer uma peça sobre um universo específico e sim trazer à pauta a busca da própria voz, a libertação das relações opressoras, fazendo uma reflexão sobre essa busca da felicidade imposta que não é real, trazendo para a cena a representatividade lésbica.
Uma atriz, Kelly Lua, e um texto poético e comovedor são o coração do espetáculo Meu Sonho Era Escrever, Escrevi, apresentado nos dias 13 e 20 de julho, quintas, às 19h. A obra gira em torno da escritora Carolina Maria de Jesus, cuja experiência vital e literária nos cativa por sua sinceridade e capacidade de discernir a alma humana. A montagem é uma viagem ao interior da condição humana para a descoberta da beleza do simples e a conhecer o pensamento de uma personagem fascinante.
“O mundo é coletivo” expressa Carolina em uma de suas poesias. Coletiva é sua obra, coletiva é sua maneira de pensar e estar no mundo, coletiva é sua voz e seus escritos. O seu sonho de escrever realizou-se e nos ensina até os dias de hoje que os sonhos podem se fazer reais.
Carolina escreveu com fome para a fome, escreveu viva sobre permanecer viva, e sobre a morte, nos escreveu, nos materializou na escritura. Deu-nos história real, nos descreveu a escrever ela mesma, relatou o que jamais tinha sido relatado com tanta verdade, dentro de um contexto em que até ter um pedaço de papel e uma caneta era luxo, em que escrever era privilégio não permitido a uma mulher negra, criticada por todes por sonhar e lutar por este sonho.
Yo Mujer Negra, que ocupa o palco no dia 27 de julho, quinta às 19h, é um espetáculo composto por poesias teatralizadas e canções que falam sobre ser uma mulher negra numa sociedade cheia de preconceitos. A atriz Kelly Lua, brasileira radicada na Espanha, compartilha suas experiências e nos fala do racismo, da sexualidade, da imigração, identidade e a necessidade de conhecer as próprias origens afrodescendentes, visto que a história se esforçou para apagar todos os seus vestígios. Após a apresentação, a atriz abre uma conversa com o público para ouvir e ampliar a discussão.
“Minha voz não pode mais permanecer em silêncio. Sei que não estou sozinha porque meu choro é universal. Minha música é uma busca eterna.”
Na quarta-feira, dia 19/06, às 19h, haverá leitura dramática do solo Dizem que sou um cara dramático, de Ed Anderson, seguida de conversa com o autor, que falará sobre sua experiência criativa de escrita para a cena e das peculiaridades na composição de solos.
Encerrando a mostra, em 26/06, quarta-feira, às 19h, Rodolfo Lima, criador do Núcleo Teatro do Indivíduo, fará uma breve retrospectiva de seus trabalhos em mais de 20 anos atuando em monólogos. O ator, jornalista e diretor apresentará trechos de seus textos e falará da experiência em trabalhar com esse formato.
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SERVIÇO:
Mostra Solos Sim. Sozinhos nunca!
Teatro de Arena Eugênio Kusnet
End.: Rua Teodoro Baima, 94 – Vila Buarque
Capacidade: 90 lugares
Indicação: 12 anos
De 13 a 30 de julho
De quarta a sexta, às 19h00
Sábados e Domingos, às 17h00
Ingressos: R$ 40,00 (Inteira), R$ 20,00 (Meia) e R$ 80,00 (Valor de Apoiador do Teatro)
Bilheteria aberta 1 hora antes dos espetáculos
PROGRAMAÇÃO:
A MONGA E EU
De 15 a 30 de julho, sábados e domingos, às 17h
Duração: 60 minutos.
Atuação: Marcello Barranco
Direção: Djalma Lima
Texto: Marcello Barranco e Djalma Lima
MADAME E A FACA CEGA
14, 21 e 28 de julho, sextas-feiras, às 19h
Duração: 50 minutos
Atuação: Alexandra DaMatta
Texto e Direção: Tati Bueno
MEU SONHO ERA ESCREVER, ESCREVI.
Dias 13 e 20 de julho, quintas, às 19h
Duração: 60 minutos
Atuação, texto e direção: Kelly Lua
YO MUJER NEGRA
Dia 27 de julho, quinta às 19h
Duração: 50 minutos
Atuação, texto e direção: Kelly Lua
19/06, quarta-feira, às 19h Leitura dramática e conversa com o autor do solo Dizem que sou um cara dramático, de Ed Anderson
26/06, quarta-feira, às 19h Conversa com Rodolfo Lima, criador do Núcleo Teatro do Indivíduo